13 julho 2009

Street Food em Kyoto

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É noite de inverno em Kyoto e procuramos o que comer. Numa travessa da Kawaramachi Dori, sob uma marquise descobrimos um carrinho de ramén que depois demos o nome de Ramém do “velhinho”. Comida de rua. Um carrinho de madeira delicadamente fabricado em madeira clara, escuro só onde o uso por anos tingiu de histórias. Ágil, lava as cumbucas alí mesmo com água saída de uma tina. Todos os ingredientes à mão. Clientes sentados no chão e fila. Preço único, 500 ienes.
Marvada

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Com vontade de me ocupar, uma dose de cachaça no copinho de barro e lá vou eu pra cozinha. Na panela, azeite, uns dentes de alho mal cortados, cebola talhada grosseiramente e nacos de bacon começam a saltitar. Acho um bife de fígado solitário, e esse também termina em cubinhos bem miúdos na panela. Um molhada de goela e os pedaços de acem sofrem no fio da faca e vão na panela com um bocado de noz-moscada, sal e pimenta-do-reino. No rádio “Adeus Paulistinha” com Tonico e Tinoco e saudades do meu filho. Cachaça na saudade e uma dose da mesma cachaça “deglaça” o fundo da panela descolando o caramelo criado. Os pedaços de carne vão pra panela e são “selados” à perfeição e cobertos na sequência por um fundo de costela. Cenoura, tomates e tampa na pressão com fogo bem tímido. Esqueço até começar a cheirar. Abro e acerto o sal. Mais caldo e fogo. Cuido, é cozimento lento. Começou a desmanchar, desligo. Arroz branco, cachaça e cama pronta me esperando pra depois do café de coador.
As Minas

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Meu pai é com certeza um dos responsáveis pelo meu prazer em cozinhar. Lembro-me de sua couve refogada com alho absurdamente bem cortada (finiiiiinha), dele retirando um tanto de feijão antes de temperá-lo para comer com açúcar (coisa de japonês e nada gastronômico), acordando cedo para preparar com esmero o almoço, impressionando meus amigos nos churrascos com um sabor diferente (muito tempo depois descobri que ele usava shoyu ao temperar a carne), de nossas incursões pelo “país” de Minas atrás de peixes nos rios e iguarias de beira de estrada. Ahhh, aquele cheiro de “venda” entulhada de lingüiça, fumo-de-corda, café torrado, galinhas vivas e sacos de alpiste, arroz e feijão na porta. Cachaça “da boa”, torresmo, ovo colorido, carteado e poeira feita pelo FNM roncando na subida. Anzol fincado no dedo, cobra rondando o puçá e café coado. Matadouro da família do vô Dito com cheiro de morte e mortos imortalizados em fotografia na parede das casas. Desandei da comida pras viagens. Tudo sempre foi assim comigo. Viagens e comida, comida propiciando viagens e eu sempre com fome de estradas.
Memória olfativa

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Ontem senti um cheirinho de polenta queimada na panela. Voltei aos meus 10 ou 12 anos cercando ansioso minha avó Nena à espera da polenta ficar pronta. Não era exatamente pela polenta que eu esperava, mas pelo cascão que se formava na panela. Se era certo essa casca se formar não sei, mas para mim não teria graça sem ela. Ainda me lembro dela separando as lascas num prato, abrindo uma lata de manteiga Aviação e eu me acabando de comer. Minha memória olfativa é com certeza muito mais saudosa que a visual e ela me prega peças com frequência. Seja pelo perfume de “Dama da noite” no passeio com meus cães, por um cheirinho de Alfazema em alguma mulher anônima ou o aroma de polenta “saindo”. Feche os olhos e pense no cheiro de alho e cebola sendo refogados à espera do arroz e engula a saliva!